March 3, 2013 21:00, by Unknown
o relógio marcava 22h04 quando ernesto entrou no prédio. cumprimentou o porteiro com uma piada sobre futebol, caminhou até a caixa de correspondências, selecionou o que parecia necessário - contas, imãs de calendário e panfletos de pizzaria. entrou no elevador, apertou a chave no bolso e cumpriu o trajeto até o oitavo andar sonhando com um banho quente.
a semana mal havia começado e ele sentia-se cansado e aborrecido. não essa canseira ordinária de quem trabalha pesadamente dez horas por dia, seis dias por semana, onze meses por ano. sentia mesmo era a alma fatigada e o corpo dolorido. era mais um peso das renúncias acumuladas na esteira veloz da rotina, essa locomotiva que deixa para trás os sonhos da gente.
aos 32 anos, ernesto não era deste tipo de gente que atravessa a vida sem dar-se conta de seus demônios. ele sabia exatamente que as escolhas, quando feitas ao revés da real vontade, acabam encrostadas na história de cada um. uma ferrugem que endurece com o tempo e se converte na massa de conveniências com que modelamos nossas máscaras cotidianas. e nisso sim ele era bom.
nas relações de trabalho, usava seu excesso de competência como auto-perdão pela constante arrogância. algumas pessoas o evitavam, mas a genialidade com ele apontava dezenas de hipóteses sobre um único fato acabava por atrair admiradores. ademais, ernesto tinha lá seu charme divertido. sabia fazer os outros rirem, sobretudo as mulheres - e talvez essa fosse a característica da qual ele mais se orgulhava.
naquela noite, no entanto, enquanto subia o elevador, ernesto seria incapaz de esboçar um sorriso ou levar adiante um pensamento limpo. quando o elevador estacionou no oitavo andar, ele suspirou aliviado por finalmente chegar em casa e ficou confuso quando as portas de aço maciço se mantiveram fechadas e a luz apagou de repente.
o ar foi ficando raro e a respiração, difícil. quando o calor apertou, tratou de abrir a camisa e tirar os sapatos. de dentro do elevador, gritou repetidas vezes por um socorro sem resposta. usou toda a energia das mãos e dos braços para tentar descolar uma porta da outra, um esforço vão. sentia o corpo suado e as paredes, úmidas.
certamente o espelho do elevador também estava embaçado, o que não fazia a menor diferença naquele metro cúbico de escuridão. pensar nisso, no entanto, acendeu em ernesto a vontade de recordar o próprio rosto. apertou uma tecla qualquer do celular para obter um feixe de luz, estacionou diante da própria cara refletida e buscou em si algum olhar que pudesse reconhecer.
não pôde. ali, trancafiado, não fazia a menor diferença quem ernesto era. as paredes pesadas ignoravam completamente o seu cargo de editor no jornal e sua fama de conquistador. seu telefone de última geração sequer dava sinal. estava absolutamente só, sem a menor possibilidade de cobrar uma solução imediata de alguém.
sentado no chão do elevador, o suor escorrendo pelo corpo, ernesto sentia uma amargura avançando da garganta para o céu da boca. estava ali há duas horas. o escuro havia reacendido velhas lembranças e lembrar de si mesmo fez ernesto ter vontade de chorar. mas ele tinha o peito tão enguiçado que tudo o que conseguiu foi soluçar um pranto seco, sem lágrimas.