equilibrista
17 de Janeiro de 2012, 22:00 - sem comentários ainda
as belezas fortuitas da vida atraem. mas ao calcular consequências com as quais não estamos dipostos a lidar, acabamos nos afastando de algumas delícias tentadoras. quando desejamos alguma coisa mas não tomamos uma atitude, estamos nos afastando do aqui e agora da vida.
a juventude, todos sabemos, não volta. e a velhice poderá ser longa, docemente ou não. construir o arco da vida de um período ao outro é uma missão revolucionária de todos os dias. pavimentar esse caminho em plena paz de espírito é uma tarefa que me parece improvável, senão impossível.
se por um lado a zona de conforto é agradável, por outro, a minha mente inquieta não tolera a acomodação. em outras palavras, o perfil "casado, fútil, cotidiano e tributável", como escreveu pessoa, não combina com a minha impulsividade quase 3.0. o preço que o futuro irá cobrar, ninguém sabe.
Mesa de bar
16 de Janeiro de 2012, 22:00 - sem comentários aindaEu teria dito que largaria tudo, que mal me importavam aquelas pessoas todas conversando amenidades em volta da gente. Teria levantado e te olhado estridente enquanto todas as outras bocas calavam. Devia ter aproveitado o momento de singelo sigilo, quando até o tilintar dos copos guardou silêncio pra te receber. Eu deveria ter ido até tua mesa onde, sentado e largado, sorria aquele riso suave de quem já bebeu doses pares. Aquele riso inebriado, de boca escancarada, libertador de vontades dissimuladas.
Teus dentes no meu peito, eu ficava imaginando, enquanto te olhava pateta, a dois metros de ti. Devia sinceramente ter me atirado no teu colo logo quando tu chegaste. Ter te feito entender que eras meu. Mas eu já sabia. Sabia que a gente se amaria loucamente, que seríamos líquido noites inteiras. E sempre acordaríamos secos um do outro. Sempre querendo mais. Sabia de ti na minha cama. Das minhas roupas no teu armário. Dos meus cds confundidos nos teus. Dos livros que ninguém mais saberia de quem eram.
Eu intuía teu cheiro. Horas a fio numa atmosfera que só nos dois poderíamos compreender. Poesia, marxismo, lirismo, budismo. Psico isto e aquilo. Bio, filo, sócio, epistemo, geo, cali; qualquer logia ou grafia. E haveria tanto tesão! Tanta língua sem nojo. Tanto gosto de seio e pescoço. Sabia que tu terias ciúmes do meu ex-namorado. Que perguntaria se ele me amava tão bem quanto tu. Sabia que brigaríamos, te taxaria machista, insensível, calhorda. Sabia que irias embora e levarias alguns cds meus ou teus. Sabia que voltarias. E que irias e voltarias muitas vezes.
Vozes intermediárias anunciavam a noite em que eu te ligaria dizendo que não, iria me atrasar, não poderia te acompanhar naquele jantar na casa do teu amigo muitíssimo enfadonho de longa data. Te pouparia do enfadonho - por este cinismo educado que a gente adquire ao tentar sempre economizar o outro dos nossos pensamentos mais limpos. E, antes de desligar, ter perguntaria se estava tudo bem. E tu dirias que sim, estava tudo certo. Uma resposta cansada e aborrecida, como se tudo o que esperasse de mim fosse a decepção. Como se eu te prorrogasse a vida.
Antevia o momento demasiado em que passado e futuro se tornariam carregados demais e esqueceríamos, eu e tu, de gozar o presente. Nos tornaríamos esquivos e evasivos como toda a gente. E estabeleceríamos a defesa. Emergiriam as culpas. Supus as amarras. E nossa ânsia paralela de desviar. Fugir das cortesias sem apreço. Dos abraços sem calor. Dos talões e cartões. Do crédito. Do débito. Das contas. E tantas outras correntes.
Já atinava minha insegurança pelo teu poder de fazer interesse nos outros. Teu amor inseduzível. E eu sofreria tanto. Choraria no teu peito. E seria menina de novo aos domingos no parque contigo. Previa os prazeres. As delícias a dois. A velha cegueira da verdade única. Sabia exatamente o que haveria de vir. Em nome da razão, mesmo sem perceber, tiraríamos proveito da fraqueza um do outro. E enumeraríamos cada um dos nossos defeitos, didaticamente.
Segunda-feira, a gente ali no bar. Dois metros ou cinco segundos de ti. Distante uma palavra do nosso futuro amor. Prestes ao que fosse. Eu realmente teria dito que mal me importava aquela gente toda, teria me lançado nas tuas mãos vazias de mim. Eu teria dito que largaria tudo. Mas não sei bem o que me deu. Quis nos livrar do perigo. Achei melhor não. Longe de tudo, pedi mais uma sem gelo. E fiquei lendo teus lábios, enquanto percorria meus medos.
presidiárias costuram futuro melhor
11 de Dezembro de 2011, 22:00 - sem comentários aindarodeadas por tecidos, agulhas e maquinário, seis mulheres trabalham orientadas pelos princípios da economia solidária no segundo andar da penitenciária feminina madre pelletier, em porto alegre. elas formam o grupo de costura liberdade, um dos seis núcleos de produção da rede Industrial de confecção solidária (rics), responsável pela produção de vestuário para o grupo hospital conceição - o maior do rio grande do sul.
eu estive lá em 2008, quando tive a oportunidade de conversar com estas mulheres e conhecer um pouco da realidade delas mais de perto. havia outras iniciativas de geração de renda no presídio mas, segundo as apenadas, o grupo da economia solidária era o mais concorrido por três motivos principais: 1) o clima era melhor, 2) o salário era igual entre todas, 3) essa lógica produtiva não estimulava a competição entre elas.
com estes atributos, a labuta corre bem melhor. juntas, elas chegam a confeccionar 800 peças por dia. “pra gente não tem tempo ruim. nós somos boas e podemos tocar qualquer produção", me disse orgulhosa noeli S., uma das apenadas. muitas delas chegam ao grupo com noções mínimas de costura. elas vão aprendendo umas com as outras e, geralmente, saem de lá costureiras de mão cheia.
outro bom fundamental é que o grupo atua em rede, ou seja, existem outros grupos de costura do lado de fora do presídio e isso já possibilita um novo horizonte para as presidiárias. a economia solidária também é um tema presente aponta perspectivas diferentes sobre o mundo do trabalho. “a gente parece mais uma família. a gente se ajuda, se ensina, conversa sobre tudo. às vezes nos sentimos até livres aqui dentro”, me disse noeli, naquela ocasião.
a responsável por esta bela iniciativa é a ong gauyí, que foi tema de matéria num programa da tevê globo.
confira:
Economia solidária movimenta a capital gaúcha
7 de Dezembro de 2011, 22:00 - sem comentários aindaTermina neste sábado (10 ) a 13ª Feira de Economia Solidária do Rio Grande do Sul. O evento ocorre desde o dia 28 de novembro no Largo Glênio Peres - no centro da capital gaúcha - e é uma ótima oportunidade para comprar os tradicionais presentes natalinos. Tem de tudo um pouco: são 69 estandes de artesanato, 14 da agricultura familiar e três de alimentação urbana. A oferta vai desde artigos de cama, mesa e banho até roupas e acessórios, passando por queijo, cachaça e vinho da colônia. Artesã "desde sempre", Matilde Freitas (à esquerda, na foto) trabalhou a vida inteira sozinha até conhecer a economia solidária, há dois anos. "É um jeito muito bom de produzir, que é coletivo e abre portas. Aos 59 anos, com toda a experiência que eu tenho, esta é recém a segunda feira grande que eu participo", comenta a artesã "conectada", que usa blog, Twitter, Facebook e Orkut para divulgar o que produz.
Matilde integra o Fórum de Economia Solidária de Viamão (na Grande Porto Alegre) e é reconhecida por sua "interatividade" entre colegas, que se revezam com ela no estande. "Ela recebe as coisas por e-mail, fica por dentro de tudo que acontece na internet e depois conta para gente", comenta uma das expositoras.
Impossível dizer que não: desde o cultivo, até a venda do produto final, mais de 700 homens e mulheres trabalham na rede da Justa Trama, que combina geração de renda com sustentabilidade. São agricultores, coletores de sementes, fiadoras, tecelãs e costureiras que cobrem todos os elos da indústria têxtil.
Trabalho coletivo, sobras compartilhadas
As festas de final de ano sempre abrem precedentes para atitudes altruístas. Na minha avaliação, esta é realmente uma época de balanços e perspectivas, propícia à reflexão sobre vários aspectos da vida - especialmente no que diz respeito aos nossos padrões de consumo e desafios coletivos para a construção de um mundo melhor.
Então, a minha dica é: neste Natal, adquira produtos da economia solidária. Um dos principais diferenciais deste modelo em relação à economia de mercado é que ela não estimula a competitividade e é centrada na valorização do ser humano. As formas de organização mais comuns desse tipo de economia são cooperativas, associações, empreendimentos e agricultura de base familiar.